Por Débora de Moraes Coelho – Mestra em Psicologia Social e Institucional

    Sobre o ciúmes 

    Sentir que o parceiro(a) não está tão conectado como gostaríamos e ficar refém de triangulações, já foi enredo da nossa infância. Desde os primeiros textos freudianos, o ciúmes está relacionado a duas origens: os gerados pelo nascimento de um irmão e os oriundos do complexo de Édipo. Percebemos que há um duplo temporal: o ciúmes é atual e ao mesmo tempo antigo, está lá, alojado na vivência edípica. Na infância encontraremos um tipo esperado de ciúme, aquele que acompanha o sujeito desde a rivalidade entre os irmãos pela posse do amor exclusivo da mãe ou mesmo do ciúme do amor existente entre os pais.

    Na nossa cultura, que tem como parâmetro a família nuclear burguesa, o/a ciumento/a cumpre com as exigências de demostrar a “veracidade” do amor, honrando as expectativas românticas. Por vezes, tal arroubo, pode ser interpretado como uma prova do real sentimento ou como um dispositivo sexual, relembrando a fase da paixão, na qual existe uma simbiose passageira.

    Existem semelhanças entre ciúmes normal e patológico: ambos revelam a posição do sujeito a partir da dúvida, assim como a necessidade de controlar o outro. O que diferencia é a duração e a intensidade. O ciumento é um sujeito aflito, vive com a mente atormentada. Fica impedido de aproveitar o amor, dificultando a entrega ao vínculo. Percebemos a questão da dúvida indecifrável que permeia o modo como o pensamento do ciumento se organiza, tornando-o a figura do atormentado. Sua mente não para de produzir pensamentos repetitivos e ruminações sem fim sobre fatos passados e seus detalhes. Demostra, assim, a dificuldade em confiar no objeto amado, revelando a fragilidade humana, demasiadamente humana. A ambivalência entre o amor e a desconfiança pode se tornar permanente, produzindo a crença de que existe infidelidade e deixando a pessoa perturbada. O que avançaria essa linha tênue (do normal ao patológico) seria a fixação nos conflitos edípicos não integrados e superados.

 

Sobre a infidelidade

    Percebemos que a infidelidade acontece para homens e mulheres, mesmo que a continue a ser um comportamento melhor compreendido quando é um homem que quebra o contrato de fidelidade e trai.

    Em uma interessante conferência, a psicóloga belga, Esther Perel nos convida a pensar sobre infidelidade. Nos diz que no centro da sustentação do desejo em um relacionamento de longo prazo, estaria a conciliação de duas necessidades humanas fundamentais. De um lado, nossa necessidade de segurança, previsibilidade, segurança, proteção, dependência, confiança. Queremos um lar. De um lado, nossa necessidade de aventura, desconhecido, inesperado, surpresa, medo. Queremos viajar.

    Há uma double face, um pé na intensidade da aventura e outro na segurança do cotidiano. Lutamos  para estabelecer a segurança, a permanência e a previsibilidade que tínhamos ou gostaríamos de ter tido em nossa infância. Mas é a busca por segurança que poderá levar a uma perda de espontaneidade e do desejo. O desejo de fixar a multiplicidade do outro em um padrão previsível, revela a contradição do amor romântico.

    Qualquer relação com pessoa fora do relacionamento no qual haja contato sexual é considerado um ato de infidelidade sexual, mas a modalidade mais temida seria a combinação entre o envolvimento sexual e o emocional. Isto aconteceria porque a infidelidade emocional envolve uma conexão emocional, a qual passa a ser a fonte de amor romântico, objeto de atenção e dedicação, já estaria demarcada uma escolha a ser feita, evidenciando a quebra do contrato de exclusividade emocional e/ou sexual no relacionamento amoroso.

 

Sessão de terapia

    Ter um caso extraconjugal, nem sempre causa o fim do relacionamento. O renomado terapeuta sistêmico, Moises Groisman, desenvolveu um método de intervenção no qual o perdão é o ponto central. A temática do perdão começou a ser fonte de estudo, principalmente nos Estados Unidos; atualmente tem sido enfatizada no contexto terapêutico. Na Terapia Sistêmica do Perdão existem alguns passos, como o momento em que pessoa traída faz todas as perguntas que julgar necessárias ao outro. Se tiverem interesse em continuar juntos e renovar o casamento, o traidor escreve uma carta de arrependimento. É importante tocar nos pontos de ressentimentos, a mágoa paralisa o desenvolvimento pessoal e intoxica as relações. Hoje estamos vulgarizando o perdão, em função da vida acelerada e da sobrecarga do dia-a-dia, acabamos perdoando tudo porque dá trabalho parar, conversar, enfrentar, punir e manter a punição.

    Num caso de infidelidade, é preciso conversar e compreender as responsabilidades de cada um, para que aquele que foi traído possa se introduzir numa situação da qual havia sido excluído. Senão corremos o risco da situação se inverter e aquele que foi magoado passa de vítima a algoz por voltar sempre ao tema que não foi devidamente encerrado.

    Quanto mais restrita for nossa construção do casamento e família, maior será nossa necessidade de encontrar liberdade em outro lugar. É possível identificarmos que emoções e significados que levam as pessoas a trair estão ligados ao desejo de um outro vínculo emocional, que possa gerar a sensação de aventura ou autodescoberta e afirmação.

    Na psicanálise contemporânea, apesar de a infidelidade estar ligada às relações pai/mãe/filho(a), a infidelidade crônica relaciona-se com as primeiras relações mãe/bebê. Portanto, as relações pré-edípicas são tão importantes quanto as edípicas. Existem dois tipos de triangulação que podem ocorrer em um relacionamento: a triangulação direta e a triangulação inversa. A triangulação direta trata-se da fantasia inconsciente de ambos os parceiros terem um terceiro idealizado, do gênero do sujeito (o rival edípico). Todas as pessoas sentem-se ameaçadas inconsciente ou conscientemente por esse terceiro porque ele pode ser mais satisfatório. Isso gera insegurança emocional quanto às questões sexuais e também ciúme. Funciona, por fim, como um alerta com o intuito de proteger a integridade do casal. A triangulação inversa trata-se da fantasia vingativa de envolvimento com outra pessoa idealizada, de gênero oposto ao seu, que representa o objeto edípico desejado. Nessa situação, o sujeito cortejado por dois membros do outro gênero, e por isso, ele não precisa competir com o rival edípico idealizado.

    Cuidar do vínculo é também desenvolver a cumplicidade, expressa em pequenas atitudes, como: estar ao lado para apoiar e resolver problemas, saber ler as necessidades do outro e se preocupar em atende-las. São essas as condições que produzem a transformação de um “eu” e “tu” em “nós” e “nosso”. Entender as motivações, medos e sonhos do parceiro, sem julgá-lo, também fortalece a sensação de estar verdadeiramente conectado.

 

Depois do cíumes e da infidelidade

    E para quem foi traído/a? O impacto do caso pode ser positivo, neutro ou desastroso. A descoberta ou revelação da traição é muitas vezes devastadora. É possível de encontrar desespero, rompimento, violência e, até, morte.

    Avançar no sentido de construir um novo modo de significar a vida à dois, fundado menos na ilusão e mais na coragem e na ação; para isso é preciso produzir uma postura madura, capaz de elaborar as frustrações, além de uma aposta na imaginação, com a qual o desejo que possa construir novas formas interação.

    Nossa época nos impele a buscarmos a felicidade, e nos sentimos no direito de ir em busca dos nossos desejos. O desafio é pensar em compor desejos: eu e o outro. Como negociar, como respeitar a alteridade e ter a habilidade de criar planos comuns. Se adultério existe desde que o amor foi inventado, assim como o tabu ao seu redor, precisamos quebrar a barreira que silencia esses temas. Desenvolver espaços para que a comunicação exista, uma relação na qual seja possível falar de medos, vazio, solidão, assim como de desejos, necessidades e sentimentos. Uma relação que não se acovarde frente aos momentos de crise e aos conflitos. Que diga sim a intimidade e que saiba respeitar a diferença que o/a outro/a carrega. Enfim, um casamento vivo, corajoso, sempre aberto aos novos ciclos.

 

Leia a versão completa desse tema no
Fascículo de Psicologia 03
Ciúmes e infidelidade

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